terça-feira, 1 de maio de 2012

As várias faces da revolta

A evolução dos personagens iconoclastas da literatura e do cinema que conquistam gerações de descontentes mostra uma lenta, porém constante, progressão de consciência social

Após 12 anos de sua primeira publicação no Brasil, está de volta às prateleiras das livrarias nacionais o romance Clube da Luta, do escritor americano Chuck Palahniuk, um fenômeno editorial entre adolescentes e jovens adultos, lançado originalmente em 1996. A história, que ganhou os cinemas nas mãos do diretor David Fincher em 1999, com os atores Edward Norton e Brad Pitt no elenco, é um grito de revolta ao establishment da sociedade de consumo e da organização capitalista em torno de falsas emoções exploradas pela publicidade.
No longa, o protagonista sem nome é um insone que, após conhecer a misteriosa e iconoclasta figura de Tyler Durden, é encorajado a montar um clube marginal de lutas entre cidadãos “de bem”. O projeto é a ponta do iceberg de um plano megalomaníaco de subversão do sistema que pretende implodir seus alicerces de dentro para fora.
Assim como o personagem de Palahniuk – que se tornou a face do descontentamento nas redes sociais, o QG para boa parte das revoltas acontecidas nos últimos anos —, a máscara de Guy Fawkes (soldado inglês católico participante de uma conspiração que pretendia assassinar o rei da Inglaterra e todos os membros do parlamento no século 17), personagem real retomado como símbolo da revolução popular consciente na HQ de Alan Moore V de Vingança, ganhou as ruas depois de circular na internet como símbolo do movimento hacker Anonymous, responsável por ações anárquicas contra corporações e governos. Fawkes também ganhou maiores proporções graças à adaptação da obra para o cinema, escrita pelos irmãos Wachowski (Matrix).

Ícones rebeldes
Figuras icônicas como as de Tyler Durden e Guy Fawkes, que conquistam toda uma geração e acabam se tornando símbolos de insurreição contra os costumes da sociedade, seguem uma certa tradição no cinema – em sua grande maioria, adaptados a partir de romances.
O primeiro grande exemplo é Jim Stark, personagem de James Dean em Juventude Transviada, filme de 1955. Stark é um legítimo rebelde sem causa – criado fora do padrão yuppie, porém completamente dependente do sistema, egoísta e alienado em sua inadequação. Dean até hoje é considerado um ícone da rebeldia que aflorava de forma dispersiva no ocidente do pós-guerra.
A violência juvenil, contrapartida lógica dessa rebeldia sem causa, assustou as antigas gerações. Em 1962, após ser agredido por uma gangue adolescente, o escritor Anthony Burgess publicou Laranja Mecânica, a terceira das distopias marcantes do século 20, ao lado Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley) e 1984 (George Orwell). A história foi adaptada ao cinema por Stanley Kubrick em 1971 e mostra uma organização de jovens descontentes numa reação niilista ao mal-estar causado por um futuro negligenciado pelos órgãos públicos. Ainda alienados e de reações instintivas, a gangue do protagonista Alex se mostra legitimamente à margem da sociedade.
Nos anos 90, o filme Trainspotting – Sem Limites, de Danny Boyle – também adaptado a partir de um espetacular romance escrito por Irvine Welsh – exemplifica a falta de esperança do fim do milênio de jovens escoceses viciados em heroína. Transgressores, coletivizados, marginalizados, porém dotados de uma consciência de sua situação desesperançosa – sem, contudo, saber o que fazer para mudar o status quo — eles são pouco habituados à violência, ainda que extremamente autodestrutivos.
Chegamos, então, à obra de Palahniuk. A evolução na iconoclastia representada por Tyler Durden é o esboço de ideologia e consciência passíveis de se transformar em uma revolução das massas. Essa revolução, porém, nada tem de agradável e permanecem os resquícios autodestrutivos de Trainspotting (ao invés das drogas, a luta), que se estendem no plano físico à toda a sociedade, fadada à ruína caso os planos do Projeto Caos descritos na obra fossem concretizados.
Por último, há a figura de V, o anarquista vestido com a máscara de Guy Fawkes em V de Vingança. Ao colocar parte da responsabilidade de seus planos nas mãos de Evey Harmond (jovem interpretada por Natalie Portman no filme), V revela a última característica a ser observada nos jovens iconoclastas que o tornaram tão estimada figura nas revoluções dos últimos anos: a delegação de poder de ação direta para o povo. Não só marginalizado, coletivizado e consciente de sua condição, V preocupa-se também com o bem-estar social e a igualdade entre os homens, demonstrado ao insurgir-se contra a ideia de Larkhil, a instituição fictícia que torturava as mesmas minorias perseguidas pelo nazismo. O poder está com o coletivo e há uma saída para o autoritarismo.
É, pois, a formação de uma ideologia ou aplicação prática do descontentamento, parte da fórmula para se criar um rebelde icônico – que se difere de personagens apolíticos e reativos, como os do diretor Quentin Tarantino. Porém, o maior desafio da representatividade dessas figuras para a geração da revolução do sofá certamente será transformar o discurso em atitudes concretas. Será esse o papel transformador da arte? Fica a pergunta.

Filmografia
Saiba mais sobre os longas-metragens emblemáticos citados na matéria:
• Juventude Transviada (Rebel without a Cause. EUA, 1955). Direção de Nicholas Ray.
Um dos maiores símbolos do jovem rebelado é Jim Stark, protagonista interpretado por James Dean. O rebelde, entretanto, ainda é dependente do meio e egoísta em sua revolta.
• Laranja Mecânica (A Clockwork Orange. EUA/Reino Unido, 1971). Direção de Stanley Kubrick.
O futuro distópico descrito em Laranja Mecânica – permeado por um mal-estar e apatia gerais – tem como subproduto uma gangue de jovens violentos, destrutivos, coletivizados e realmente à margem da sociedade.
• Trainspotting – Sem Limites (Trainspotting. Reino Unido, 1996). Direção de Danny Boyle.
As gangues jovens não são mais tão violentas como as de Laranja Mecânica, mas são autodestrutivas e alheias à sociedade, ainda que conscientes de suas posições marginais.
• Clube da Luta (Fight Club. EUA/Alemanha, 1999). Direção de David Fincher.
O grupo encabeçado pelo líder iconoclasta Tyler Durden é organizado, pretende-se revolucionário e aplica suas ideias em ações destrutivas, mais preocupado em “libertar” as pessoas do que promover uma alternativa ao mal-estar da sociedade de consumo.
• V de Vingança (V for Vendetta. EUA/Reino Unido/Alemanha, 2005). Direção de James McTeigue.
A evolução da coletivização dos jovens rebeldes marginalizados toma forma sob a liderança do anarquista V, que delega poder ao povo e preza por direitos iguais e bem-estar entre as pessoas.

Legenda da Foto: Cena do filme Clube da Luta: niilismo destrutivo no final do século 20; Máscara de Guy Fawkes ganhou as ruas graças à popularidade de V de Vingança; O anarquista V em V de Vingança: consciência e preocupação com direitos humanos e Tyler Durden, vivido no cinema por Brad Pitt: revolta contra a sociedade de consumo.

Fotos: Divulgação, Pawel Kopczynski/Reuters, Divulgação e Reprodução
Fonte: Gazeta do Povo

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