quarta-feira, 16 de maio de 2012

Luz sobre as sombras


Marcos do cinema noir: O Segredo das Joias, de Billy Wilder (abaixo) e O Falcão Maltês, de John Huston (acima)
 
O crítico L. G. de Miranda Leão revista as origens e os momentos de glória dos thrillers e da estética dos filmes noir
Cinéfilos e leitores amigos têm-nos indagado sobre o chamado "film Noir", até mesmo com certa implicância com o adjetivo francês no anúncio de uma revista estrangeira: "Film en noir et blanc" (em livre tradução, "filme em preto e branco", oposto ao filme em cores). Fora do cinema, o termo "noir" se refere ao aspecto de uma superfície incapaz de refletir uma luz, daí "noir comme le charbon". Quanto ao "thriller" (de "thrill"/ "emoção", "frêmito"), como nos lembra Don Allen em seu "Film and Filmmakers", é a emoção viva ou sensação alusiva ao moderno romance policial ou filme de ficção "noir" com crescente tenção emocional.

Huston e Wilder
Coube a dois dos melhores diretores e roteiristas da velha Hollywood dos anos 1940 e 1950, John Huston (1906 - 1987) e Billy Wilder (1906 - 2002), impulsionar a extraordinária preferência pelo gênero policial "noir". Já o "Falcão Maltês" (The Maltese Falcon, de 1941 - ou "A Relíquia Macabra", na tradução portuguesa) virtualmente criou o "thriller" tal como agora conhecemos seu alcance. E logo chegou às telas "O Segredo das Joias" (The Asphalt Jungle, 1950), no qual Huston introduziu não só um senso perverso de humor e também uma aragem distante de perversão, envolvendo um roteiro tortuoso e uma escuridão dificilmente penetrável por qualquer raio de luz. Assim, Huston termina seu filme numa nota de desespero desiludido e deixa com o espectador atento a impressão de medo penetrante. Em verdade, há muita coisa a ver e louvar neste "O Segredo das Joias", uma das melhores produções daquele ano.

De modo análogo, Wilder revirou pedras para examinar via imagens o lado mais escuro, sujo e indigno da psique humana. "Pacto de Sangue" (Double Indemnity, 1943), por exemplo, também suscitou um crime brutal nas pacatas vidas suburbanas, enquanto em "Farrapo Humano" (The Lost Weekend, 1945) Wilder expôs às ruas da cidade o inferno privado de um dipsomaníaco, magistralmente interpretado por Ray Milland, ganhador do Oscar pelo seu desempenho. O filme, visto pela crítica como "a landmark of adult filmmaking" ("um marco do cinema adulto"), como registrou Leonard Martin em seu "Movie Guide", fez jus ao Oscar de Melhor Realização.

O "film noir", como registram os críticos, rapidamente se tornou quase sinônimo da Hollywood dos anos 40. Uma reação ao sentido predominante de inquietação permitiu uma irresistível oportunidade para explorar tudo. O que Robert Warshow descreveu como "a perigosa cidade triste da imaginação". Um verdadeiro labirinto se abriu de vez, romântico e ameaçador; o crime e a violência se ocultavam nas alamedas escuras, mal iluminadas por instáveis letreiros luminosos de néon, onde as lâmpadas das ruas pareciam lutar uma batalha perdida com as sombras que se avolumavam ameaçadoras.

Chegam os Expatriados
Distinguidos cineastas expatriados da velha Europa, muito deles fugitivos de países em guerra, pisam o solo americano e trazem consigo sua realizações e discretos matizes do expressionismo alemão. Dentre eles, está o austríaco e antinazista Fritz Lang (1980 - 1976), diretor de "Fúria" (Fury, 1936), "Vive-se uma Só Vez" (You Live Only Once, 1937), "Os Carrascos também morrem (Hangmen Also Die, 1942), "Quando Descerem as Trevas" (Ministry of Fear, 1943), "Um Retrato de Mulher" (The Woman in the Window, 1944), "Almas Perversas" (Scarlet Street, 1945) e "O Segredo da Porta Fechada" (Secret Behind the Door, 1947). Robert Siodmak também desembarcou em solo americano e lá demonstrou talento invulgar em termos de cinema. Outros cineastas se entrosaram em Hollywood, como Jules Dassin, realizador de "Brutalidade" (Brute Force, 1947), "Cidade Nua" (Naked City, 1948) e "Mercado de Ladrões" (Thieves Highway, 1949), bem assim Edward Dmytryk, com "Até a Vista, Querida" (Murder my Sweet, 1943), "Atrás do Sol Nascente" (Behind the Rising Sun, 1943), todos eles contribuindo para a categoria dos "thrillers" que pareciam brotar de todos os lados.

Vê-se, assim, como o "film noir" foi, num sentido muito real, o último triunfo da máquina hollyoodiana. Nem Dassin nem Dmytryk conseguiram fazer a metade do seu melhor quando foram deixados com seu próprios artifícios, liberados das muletas de Hollywood pela caça as bruxas do mccarthismo e exilados para trabalhar no estrangeiro, com relativa liberdade. Enquanto isso, os estúdios -americanos estavam começando a perder seu ímpeto: as bilheterias começaram a cair depois dos "boom years" da guerra. A histeria espalhou-se quando o Comitê de Atividades Anti-Americanas cresceu sua cabeça em 1947 e a "ameaça" da TV crescia a olhos vistos.

O escapismo, como sempre, foi a principal palavra de Hollywood, agora justificada por um mundo cansado de guerra e de conflitos de toda ordem e até mesmo pronto para esquecer as tristes realidades daqueles anos prodigiosos como cinema em favor do filme musical, enquanto a cor acrescentou às imagens o ingrediente mágico: brilhante e vistosa na Fox, rica e muda na MGM... Quanto aos filmes citados ao longo destas linhas, vale lembrar que trouxeram do expressionismo alemão os mundos fechados e atormentados, criados por eles mesmos, onde o homem continua sendo o lobo do homem ...

Estes dados e observações dos quais nos valemos para informar aos cinéfilos não apenas o significado do "film noir" e do valor do "thriller", mas também tudo quanto aqueles anos significaram para a grandeza da arte cinematográfica, mesmo quando essa parte tenha retratado e revivido uma época desalentadora.

Crítico de cinema, autor de "Analisando Cinema" e "Ensaios de Cinema"
Fonte: diariodonordeste.globo.com

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